2024-02-16

Entrevista a Vera dos Reis Valente

Estivemos à conversa com a autora de Amar em caso de emergência, nas vésperas do lançamento

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Em «Amar em caso de emergência», Sara de Almeida Leite estreia-se no romance através do pseudónimo Vera dos Reis Valente e dá-nos a conhecer Diana, uma mulher de 50 anos, refém de um casamento falhado e que decide iniciar uma busca incessante pela sua felicidade. No seu diário, Diana reflete sobre os encontros e desencontros amorosos, não se coibindo de expor os detalhes mais íntimos, enquanto uma misteriosa personagem acompanha o seu percurso, oferecendo-nos uma visão complementar das escolhas e motivações da protagonista. Será o amor uma ilusão, ou o único objetivo que realmente importa?

 

 

Amar em caso de emergência é, sobretudo, um romance sobre relações (felizes e infelizes, correspondidas ou não, de amor ou total desamor). Porquê uma reflexão ou incursão sobre este tema?

É um tema que me apaixona e que me intriga, desde que me lembro. Podemos achar que é um assunto banal, porque praticamente toda a gente tem várias experiências de relacionamentos ao longo da vida, quase todos sabemos como é viver o amor e o desamor; o que quer que se diga parece ser uma repetição do óbvio. No entanto, os relacionamentos amorosos são como a parentalidade: não existem propriamente manuais de instruções, que nos digam o que é certo e errado, ou como ser mais bem-sucedido. Quando muito, há opiniões, conselhos que algumas pessoas se atrevem a dar, mas que não funcionam necessariamente, ou em todos os casos; não há receitas infalíveis. E o que é curioso, na minha opinião, é que este tema nunca cansa, parece que queremos sempre saber mais sobre ele, é viciante. Talvez por se tratar de uma experiência tão intensa, que nos arrebata e descontrola. Por mais que nos identifiquemos com o que os outros dizem, escrevem, contam e cantam sobre o amor, o que sentimos é só nosso, são emoções que nos definem enquanto indivíduos singulares e, no fundo, isolados, porque ficamos completamente vulneráveis, a nível sentimental, quando o amor toma conta de nós.

 

 

Pela linguagem utilizada, corajosa e às vezes até vernacular, pelas situações e descrições de cenas de intimidade. Este é assumidamente um romance corajoso?

Não sei se corajoso é um adjetivo apropriado para qualificar um texto que procura descrever, de forma tão objetiva quanto possível, o que se passa na cabeça de uma mulher que é infeliz no casamento e que tenta realizar-se através do amor. Poderia dizer, antes, que é um romance “impudico”, no sentido em que é escrito num estilo cru, direto, sem floreados nem eufemismos. A linguagem usada, nesse sentido, pretende tornar verosímil a escrita diarística, que será naturalmente despreocupada, porque não tem destinatário. Se o adjetivo corajoso implicar a identificação pessoal e íntima com as situações relatadas, então, sim, será um romance corajoso ou até mesmo temerário. Aliás, no próprio texto fala-se disso, o “jogo” literário em que o romance assenta depende dessa ideia: a de que quem oferece ao mundo tais revelações assume um risco muito grande e poderá pagar um preço elevado.

 

 

 

 

Optou por escrever o romance narrado a duas vozes, conduzindo os leitores numa determinada direção quase até à última página. Porquê esta opção?

Para mim, um romance tem de surpreender o leitor. E, a dada altura, percebi que faltava esse elemento naquilo que eu andava a escrever. Senti que, para lhe poder chamar “romance”, tinha de ter algo mais, embora já houvesse a alternância das vozes, que me parecia um bom caminho para chegar ao que eu pretendia. Mas a verdade é que nem eu sabia de quem era aquela segunda voz – e essa era a lacuna que me faltava preencher. Foi a própria história, à medida que a fui escrevendo, que me ofereceu a resposta, a solução para essa falha: a determinado momento, soube quem era aquela pessoa que falava com a protagonista e foi como se se fizesse luz. Isto leva-me à conclusão de que a grande satisfação de um romance, para quem o escreve, é essa: a de o próprio texto surpreender o seu criador.

 

 

A Vera dos Reis Valentes é um pseudónimo de Sara de Almeida Leite, que também é escritora. Este facto leva-nos a duas questões. O que as diferencia e porquê esta opção?

Optei por usar um pseudónimo, precisamente, para me diferenciar da Sara Leite que escreve ficção para crianças e jovens. Sendo este um livro completamente distinto dos que publiquei até aqui, e havendo já um número considerável de leitores que estão habituados a esse estilo de escrita e aos enredos criados pela Sara de Almeida Leite, achei importante distanciar-me desse género e, também, do público mais jovem, que já me conhece como autora e, por isso, terá certo tipo de expectativa relativamente aos meus livros. Como este romance é para um público diferente, achei que faria sentido apresentar-me, também, desde logo, como uma autora diferente.

 

 

E quanto de Sara existe na Vera?

A Vera tem pouco da Sara, porque nasceu precisamente para se diferenciar dela. Digamos que é uma aventura em que a Sara arriscou envolver-se, para sair de si, para ultrapassar os seus limites. Portanto, podemos dizer que a Vera é uma versão mais solta da Sara, menos convencional, menos “certinha”, menos de acordo com aquilo que se espera dela – ou com aquilo que ela acha que se espera dela. A Sara não arrisca, só faz aquilo que sabe que vai correr bem. A Vera arrisca, não tem medo. Há uma frase no romance que resume isso: «Escrevi a palavra abismo e saltei.» A Sara não saltaria.

 

 

«Isto leva-me à conclusão de que a grande satisfação de um romance, para quem o escreve, é essa: a de o próprio texto surpreender o seu criador.»

 

 

«Nunca senti emoções contraditórias de forma tão intensa. Estou empolgadíssima com a perspetiva de publicar o meu primeiro (e provavelmente único) romance e, ao mesmo tempo, apavorada com a ideia.» É assim que a Diana, a protagonista do romance, se sente quando está prestes a ter o seu livro publicado. A emoção é partilhada pela Vera?

Sim, na medida em que a publicação do primeiro romance é um acontecimento que nos entusiasma e assusta ao mesmo tempo. Por um lado, é um sonho concretizado, uma meta que se atinge ao fim de muito esforço, de muitas dúvidas, de inúmeras hesitações e impasses. Por outro lado, há sempre o receio de que não tenha aceitação, de que o fruto do nosso trabalho seja mal recebido ou, pior, de que seja recebido com indiferença. O problema da Diana não é exatamente esse, mas, se eu responder de forma mais explícita à pergunta, estarei a comprometer o tal jogo literário de que falei antes. Prefiro que as pessoas fiquem com essa dúvida, que me parece essencial para que o jogo resulte.

 

 

 

 

 

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