Como desenvolver a autonomia das crianças e dos jovens?
Muito se tem falado nesta questão de dar ou não autonomia às crianças, mas em quê? Como? A verdade é que tem sido uma das maiores queixas que recebo dos pais: “O meu filho não faz nada sozinho.” Para percebermos a melhor forma de desenvolver essa competência, é importante compreender em que consiste, como a podemos explicar aos nossos filhos e qual o nosso papel nesse desenvolvimento.
Inês Sottomayor | 22-10-2024Várias teorias e entendimentos sobre a autonomia têm surgido na área da psicologia, educação, pedagogia, entre outras. Destaco o conceito que, para mim, faz mais sentido, o de a encarar como a capacidade de a criança realizar tarefas e tomar decisões por si própria, sendo estas apropriadas à sua idade e, mais importante ainda, adaptadas ao seu desenvolvimento e maturidade. Implica que se vá responsabilizando por pequenas tarefas ou situações, que lhe seja permitido fazer escolhas e lidar com as consequências que daí advêm, sejam elas positivas ou negativas. A autonomia não é algo que nasça com eles, mas, sim, uma competência gradual que se vai adquirindo conforme o meio assim o permita e que está ligada aos vários níveis de desenvolvimento, emocional, social e cognitivo. Por norma, o grande desafio dos pais, educadores, professores e cuidadores está no equilíbrio entre o permitir que a criança explore por si, o que devem ou não apoiar e até o que podem fazer por ela. Afinal de contas, todas as crianças são diferentes e têm necessidades distintas, mas também têm algo em comum: todas gostam de experimentar e de ter a liberdade de tentar fazer por elas.
Para melhor percebermos a importância do desenvolvimento da autonomia, vou abordar de forma sucinta a Teoria da Autodeterminação (Self-Determination Theory – SDT), de Edward Deci e Richard Ryan. Esta teoria foca-se em entender a motivação humana, nas condições que promovem o desenvolvimento saudável e o bem-estar. Eles afirmam que todos os seres humanos possuem três necessidades psicológicas básicas, cuja satisfação é essencial para o crescimento pessoal e para a autodeterminação:
1. Autonomia: A necessidade de sentir que controlamos as nossas próprias ações e decisões.
2. Competência: A necessidade de se sentir capaz e eficiente na realização de tarefas.
3. Relacionamento: A necessidade de se sentir conectado e compreendido pelos outros.
Quando essas três necessidades são atendidas, as pessoas tendem a desenvolver a motivação intrínseca.
Para o caso, vamos focar-nos na primeira necessidade, a autonomia, apesar de todas estarem interligadas e de se complementarem no desenvolvimento de uma criança. Os autores definem a autonomia como a necessidade de experimentar uma sensação de escolha e vontade sobre o próprio comportamento. Ou seja, a sensação de liberdade e poder, em vez de imposição e submissão. O que não quer dizer que possam tudo e que a decisão seja totalmente da criança. Implica, antes, estarmos atentos às oportunidades de desenvolvimento, já que são extremamente importantes para a formação da identidade da criança e para a construção de uma autoestima positiva, para o treino da tolerância perante eventuais fracassos e para a prática da perseverança. Neste ponto, deixo uma questão: Quantas vezes por dia, e em que situações, possibilitam essa sensação de escolha e de expressão aos vossos filhos?
Para que isso aconteça da forma o mais equilibrada possível, é importante nós, adultos, acreditarmos nas capacidades dos nossos filhos, sermos capazes de olhar para as suas forças e fragilidades e mostrar-lhes que os reconhecemos como seres únicos e individuais, que os respeitamos e desafiamos a serem sempre melhores. Esse olhar verdadeiro é fundamental para a construção do seu autoconceito e, para se sentirem capazes de ir aumentando a sua autonomia.
O papel dos pais é muito mais o de guiar do que o de serem a solução, proporcionando segurança, limites e suporte emocional, mas evitando a superproteção.
Outro ponto importante é a oportunidade de fazerem escolhas e tomarem decisões adaptadas à sua idade. Em casa pode passar por (1) escolher a roupa que querem levar, (2) participar na organização do seu dia a dia ou (3) decidir a atividade que querem fazer. A apresentação de possibilidades é tanto maior quanto a maturidade da criança. Nas escolas, os professores podem permitir que (1) selecionem o tema dos projetos a desenvolver, (2) definam os grupos de trabalho e as suas regras ou até (3) proponham ideias a trabalhar. O desenvolvimento da autonomia exige paciência e apoio contínuo. Tanto melhor se pais e professores trabalharem em conjunto, proporcionando um ambiente seguro e encorajador para que as crianças e os jovens possam experimentar, aprender e crescer. No fundo, o papel dos pais é muito mais o de guiar do que o de serem a solução, proporcionando segurança, limites e suporte emocional, mas evitando a superproteção.
Não se trata de deixar que façam tudo por conta própria, mas de oferecer suporte gradual e estruturado, guiando-as ao longo do seu crescimento e permitindo que desenvolvam as habilidades necessárias para enfrentar os desafios da vida. Nas escolas, o papel dos professores passa por criar condições para que os alunos sejam ativos na sua aprendizagem, por lhes dar autonomia para explorar, pensar criticamente e aprender a organizarem-se; permitir que explorem o protagonismo do seu caminho académico.
Respondendo às questões iniciais:
Em que situações podemos desenvolver a autonomia? Em todas as situações de rotina, permitindo todos os dias um pouco mais de liberdade de escolha, aceitando a tentativa, o erro e a aprendizagem.
Como? Permitir que experimentem as suas próprias soluções, sem resolver por eles, mas mostrando sempre que estamos lá para apoiar.
Quando as crianças se tornam mais autónomas, é mais provável que treinem novas competências, experimentem coisas diferentes e sejam mais flexíveis, e tudo isto promove um desenvolvimento harmonioso. Se dermos apoio, oportunidades de exploração, incentivarmos a curiosidade e assegurarmos que os nossos filhos e alunos estejam envolvidos numa variedade de experiências, o seu nível de autonomia, bem como o desenvolvimento das suas competências, irá, com toda a certeza, ser potenciado.
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