Luto: o que fazer e não fazer quando o seu filho está de luto
Para nós, adultos, pode ser um grande desafio lidar com a morte. Para as crianças também. Normalmente, uma criança que perdeu alguém próximo só quer continuar com a sua vida normal. Não quer mais mudanças. Quer manter as suas atividades “como se nada fosse”. Ao mesmo tempo, quer que os adultos entendam a dor que sente e saibam o momento exato em que necessita de um abraço.
Para nós, adultos, pode ser um grande desafio lidar com a morte. Para as crianças também. Normalmente, uma criança que perdeu alguém próximo só quer continuar com a sua vida normal. Não quer mais mudanças. Quer manter as suas atividades “como se nada fosse”. Ao mesmo tempo, quer que os adultos entendam a dor que sente e saibam o momento exato em que necessita de um abraço.
— Serás sempre o meu pequeno Benny — sussurrou ela.
Ben lembrou-se de como costumava odiar esse nome. Agora adorava-o.
— Eu sei — disse ele, com um sorriso. — E tu serás sempre a minha avozinha gângster.
Mais tarde, já a avó tinha partido, Ben seguia em silêncio no banco de trás do carro dos pais, a caminho de casa. Estavam todos cansados de chorar.
Já se via imensa gente nas ruas a fazer compras de Natal, as estradas estavam cheias de carros e havia uma longa fila para o cinema. Ben não conseguia perceber como era possível a vida correr normalmente quando algo tão grave e importante tinha acabado de acontecer.
O carro virou a esquina e aproximou-se das filas de lojas.
— Posso ir num instante à loja do Raj, por favor? — perguntou Ben. — Não demoro muito.
O pai estacionou o carro, e Ben foi sozinho até à loja. Caía uma neve muito leve.
PLIM!, fez a campainha quando a porta abriu.
— Ahh, jovem Ben! — exclamou Raj. O lojista percebeu o ar triste de Ben. — Aconteceu alguma coisa?
— Sim, Raj… — balbuciou Ben. — A minha avó acaba de morrer.
De alguma forma, dizê-lo em voz alta fez com que começasse outra vez a chorar. Raj apressou-se a sair de trás do balcão e deu um grande abraço a Ben.
— Oh, Ben, lamento imenso. Há algum tempo que não a via e calculei que não estivesse bem.
— Pois não. Raj, eu só queria dizer — disse Ben, fungando — muito obrigado por me teres ralhado daquela vez. Tu tinhas razão, a minha avó não era nada chata. Ela era maravilhosa.
Avozinha Gângster
, David Walliams
O processo de luto passa, normalmente, por três fases. Numa primeira fase, pode haver negação, choque e apatia. Na segunda fase, a do luto mais agudo, pode ter sentimentos como a tristeza, depressão, raiva, culpa, ansiedade, medo e dor física. Na última fase, dá-se início o processo de adaptação e aceitação da nova realidade.
A propósito deste tema, o psicólogo e autor Dr. Sameet Kumar faz a distinção entre “luto agudo” e “luto subtil”. O “luto agudo” corresponde àqueles momentos mais duros, mais difíceis de lidar, que se sentem como inultrapassáveis; o “luto subtil” refere-se aos momentos em que parece que estamos a respirar mais facilmente, a sentir as coisas com muito menos intensidade. Podemos ter a certeza de que a criança irá passar tanto por uma experiência como por outra, várias vezes.
De que forma a criança expressa o luto?
Quando uma criança sofre,
queremos cuidar dela, protegê-la e confortá-la
. Mas temos de calibrar o momento certo para o fazer. As crianças não conseguem nem querem ficar com a dor psicológica da perda durante muito tempo seguido. Por isso, é habitual, por exemplo, continuarem a brincar ou a fazer outras coisas para se livrarem dela. Mas, de repente, a dor pode reaparecer, passando de “subtil” a “aguda”, no meio de uma brincadeira ou outra situação que lembre a perda. É como se o luto chegasse, ficasse um pouco e partisse. Vem, fica e vai. Aliás, é o que acontece com todos os sentimentos. Quanto mais permitirmos e aceitarmos este processo, melhor. E, felizmente, as crianças têm bastante facilidade em passar da fase “aguda” à “subtil”.
Uma criança tem dificuldade em entender as consequências da perda e demora a perceber o significado da morte e que a pessoa não irá voltar. Tende também a focar-se no aqui e no agora, e são muitas as vezes em que os adultos interpretam isso como se ela “não se importasse”, “já se tenha esquecido”, “já se tenha habituado” ou “já tenha ultrapassado”, o que não é bem verdade e pode até levar a criança a sentir-se incompreendida. O mais provável é que dentro da cabeça da criança se estejam a formular muitas perguntas, mesmo que ela não as verbalize.
Uma criança que perde alguém muito próximo, como o pai, a mãe ou, por exemplo, a avó, com um papel importante na sua educação, pode perder também a confiança na vida, nas outras pessoas, no futuro e em si própria. De repente, aquela pessoa que ela achou que ia estar sempre presente já não está.
Além ou em vez do choro, a criança pode apresentar um
comportamento agressivo e de muita raiva
. Também pode exprimir a sua desilusão ou culpa, comportando-se de forma mais imatura, regredindo no comportamento. Pode sentir dificuldades em dormir e começar a fazer chichi na cama. E dar início a um rol de perguntas, que podem ser surpreendentes (e não é necessário saber a resposta a todas).
Como apoiar a criança?
-
Esteja disponível para ouvir os pensamentos e as histórias da criança. Deixe-a fazer perguntas e responda o mais honestamente possível. Limite-se a responder à pergunta, nem mais nem menos, e não tenha medo de dizer que não sabe. Devolva com a pergunta “O que é que tu achas?”. Procurem as respostas em conjunto.
-
Reconheça a dor da criança. Abra a possibilidade de ela se expressar de modo próprio. Ou seja, sem pressionar. Se a criança está a chorar, é melhor dar-lhe um abraço e dizer algo como “Eu sei que dói!”, ao invés de tentar proteger a criança da dor com distrações, conselhos e prendas. Não diga à criança que sabe como é, quando, na realidade, não sabe. Evite os obstáculos à comunicação.
-
Procure estar realmente presente quando está com a criança. Se também está de luto, pode ser um grande desafio, mas tente ao máximo manter-se conscientemente presente com a criança no aqui e agora.
-
Seja honesto. As crianças sabem sempre quando as coisas não estão bem. Comunique com ela de forma simples, honesta e clara sobre o que se está a passar e o que se passou. Diga o que sente. Não minta.
-
Se a criança nunca tomar a iniciativa para falar, faça perguntas. É comum a criança guardar o seu sofrimento para que os adultos, que também estão a sofrer, não sofram mais. Os adultos interpretam isso como sinal de que “já passou” e não querem lembrar à criança o sucedido para que ela não volte a entristecer.
-
Crie estrutura e segurança. Todos temos necessidade de sentir segurança e certeza nas nossas vidas. Quando alguém próximo morre, essas necessidades são abaladas. Ajude a criança a manter rotinas, rituais e tradições e/ou a criar novas rotinas, novos rituais e novas tradições que possam criar uma nova base de estrutura e segurança.
-
Seja um porto seguro. Para satisfazer as necessidades de segurança e controlo, a criança também tem de saber que é cuidada, que existe alguém que pode oferecer um espaço emocional e fisicamente seguro para a sua dor. É também relevante evitar que a criança sinta que tem de assumir responsabilidade pela dor das outras pessoas.
-
Recorra à criatividade. A atividade criativa é uma ferramenta importante para trabalhar a dor da perda. Ofereça à criança opções diversas para exprimir as suas emoções. Pode ser desenhando, escrevendo, fazendo trabalhos manuais, brincando, ouvindo música, etc.
-
Recorra à atividade física. Emoções fortes e desafiantes (como, por exemplo, o luto exprimido em agressividade e raiva) podem ser libertas através de atividade física.
-
Pratique mindfulness
, sozinho e com a criança. Procure exercícios que sejam adequados para a idade, sem pressionar e sem expectativas.
-
Cuide de si!
Quanto melhor se sentir, melhor apoio representará para o seu filho.
-
Peça ajuda! Tanto ajuda prática como mental.
Quando deve procurar ajuda profissional?
Deve procurar ajuda profissional se sentir que a criança continua a apresentar dificuldades durante muito tempo, nomeadamente em dormir, em concentrar-se, no relacionamento com os amigos e na escola ou um
comportamento depressivo
.
O luto, por norma, é trabalhoso, doloroso e cansativo. Tanto física como emocionalmente. É importante lembrar-se de que cada criança tem as suas reações e o seu processo de luto, e que cabe ao adulto adaptar-se às suas necessidades. E, neste processo, esteja consciente de que os seus dois contributos mais poderosos poderão ser a sua presença consciente e o reconhecimento dos estados emocionais da criança.
AS OBRAS DA AUTORA
Para nós, adultos, pode ser um grande desafio lidar com a morte. Para as crianças também. Normalmente, uma criança que perdeu alguém próximo só quer continuar com a sua vida normal. Não quer mais mudanças. Quer manter as suas atividades “como se nada fosse”. Ao mesmo tempo, quer que os adultos entendam a dor que sente e saibam o momento exato em que necessita de um abraço.
— Serás sempre o meu pequeno Benny — sussurrou ela. Ben lembrou-se de como costumava odiar esse nome. Agora adorava-o. — Eu sei — disse ele, com um sorriso. — E tu serás sempre a minha avozinha gângster. Mais tarde, já a avó tinha partido, Ben seguia em silêncio no banco de trás do carro dos pais, a caminho de casa. Estavam todos cansados de chorar. Já se via imensa gente nas ruas a fazer compras de Natal, as estradas estavam cheias de carros e havia uma longa fila para o cinema. Ben não conseguia perceber como era possível a vida correr normalmente quando algo tão grave e importante tinha acabado de acontecer. O carro virou a esquina e aproximou-se das filas de lojas. — Posso ir num instante à loja do Raj, por favor? — perguntou Ben. — Não demoro muito. O pai estacionou o carro, e Ben foi sozinho até à loja. Caía uma neve muito leve. PLIM!, fez a campainha quando a porta abriu. — Ahh, jovem Ben! — exclamou Raj. O lojista percebeu o ar triste de Ben. — Aconteceu alguma coisa? — Sim, Raj… — balbuciou Ben. — A minha avó acaba de morrer. De alguma forma, dizê-lo em voz alta fez com que começasse outra vez a chorar. Raj apressou-se a sair de trás do balcão e deu um grande abraço a Ben. — Oh, Ben, lamento imenso. Há algum tempo que não a via e calculei que não estivesse bem. — Pois não. Raj, eu só queria dizer — disse Ben, fungando — muito obrigado por me teres ralhado daquela vez. Tu tinhas razão, a minha avó não era nada chata. Ela era maravilhosa.
Avozinha Gângster , David Walliams |
O processo de luto passa, normalmente, por três fases. Numa primeira fase, pode haver negação, choque e apatia. Na segunda fase, a do luto mais agudo, pode ter sentimentos como a tristeza, depressão, raiva, culpa, ansiedade, medo e dor física. Na última fase, dá-se início o processo de adaptação e aceitação da nova realidade.
A propósito deste tema, o psicólogo e autor Dr. Sameet Kumar faz a distinção entre “luto agudo” e “luto subtil”. O “luto agudo” corresponde àqueles momentos mais duros, mais difíceis de lidar, que se sentem como inultrapassáveis; o “luto subtil” refere-se aos momentos em que parece que estamos a respirar mais facilmente, a sentir as coisas com muito menos intensidade. Podemos ter a certeza de que a criança irá passar tanto por uma experiência como por outra, várias vezes.
De que forma a criança expressa o luto?
Quando uma criança sofre, queremos cuidar dela, protegê-la e confortá-la . Mas temos de calibrar o momento certo para o fazer. As crianças não conseguem nem querem ficar com a dor psicológica da perda durante muito tempo seguido. Por isso, é habitual, por exemplo, continuarem a brincar ou a fazer outras coisas para se livrarem dela. Mas, de repente, a dor pode reaparecer, passando de “subtil” a “aguda”, no meio de uma brincadeira ou outra situação que lembre a perda. É como se o luto chegasse, ficasse um pouco e partisse. Vem, fica e vai. Aliás, é o que acontece com todos os sentimentos. Quanto mais permitirmos e aceitarmos este processo, melhor. E, felizmente, as crianças têm bastante facilidade em passar da fase “aguda” à “subtil”.
Uma criança tem dificuldade em entender as consequências da perda e demora a perceber o significado da morte e que a pessoa não irá voltar. Tende também a focar-se no aqui e no agora, e são muitas as vezes em que os adultos interpretam isso como se ela “não se importasse”, “já se tenha esquecido”, “já se tenha habituado” ou “já tenha ultrapassado”, o que não é bem verdade e pode até levar a criança a sentir-se incompreendida. O mais provável é que dentro da cabeça da criança se estejam a formular muitas perguntas, mesmo que ela não as verbalize.
Uma criança que perde alguém muito próximo, como o pai, a mãe ou, por exemplo, a avó, com um papel importante na sua educação, pode perder também a confiança na vida, nas outras pessoas, no futuro e em si própria. De repente, aquela pessoa que ela achou que ia estar sempre presente já não está.
Além ou em vez do choro, a criança pode apresentar um comportamento agressivo e de muita raiva . Também pode exprimir a sua desilusão ou culpa, comportando-se de forma mais imatura, regredindo no comportamento. Pode sentir dificuldades em dormir e começar a fazer chichi na cama. E dar início a um rol de perguntas, que podem ser surpreendentes (e não é necessário saber a resposta a todas).
Como apoiar a criança?
- Esteja disponível para ouvir os pensamentos e as histórias da criança. Deixe-a fazer perguntas e responda o mais honestamente possível. Limite-se a responder à pergunta, nem mais nem menos, e não tenha medo de dizer que não sabe. Devolva com a pergunta “O que é que tu achas?”. Procurem as respostas em conjunto.
- Reconheça a dor da criança. Abra a possibilidade de ela se expressar de modo próprio. Ou seja, sem pressionar. Se a criança está a chorar, é melhor dar-lhe um abraço e dizer algo como “Eu sei que dói!”, ao invés de tentar proteger a criança da dor com distrações, conselhos e prendas. Não diga à criança que sabe como é, quando, na realidade, não sabe. Evite os obstáculos à comunicação.
- Procure estar realmente presente quando está com a criança. Se também está de luto, pode ser um grande desafio, mas tente ao máximo manter-se conscientemente presente com a criança no aqui e agora.
- Seja honesto. As crianças sabem sempre quando as coisas não estão bem. Comunique com ela de forma simples, honesta e clara sobre o que se está a passar e o que se passou. Diga o que sente. Não minta.
- Se a criança nunca tomar a iniciativa para falar, faça perguntas. É comum a criança guardar o seu sofrimento para que os adultos, que também estão a sofrer, não sofram mais. Os adultos interpretam isso como sinal de que “já passou” e não querem lembrar à criança o sucedido para que ela não volte a entristecer.
- Crie estrutura e segurança. Todos temos necessidade de sentir segurança e certeza nas nossas vidas. Quando alguém próximo morre, essas necessidades são abaladas. Ajude a criança a manter rotinas, rituais e tradições e/ou a criar novas rotinas, novos rituais e novas tradições que possam criar uma nova base de estrutura e segurança.
- Seja um porto seguro. Para satisfazer as necessidades de segurança e controlo, a criança também tem de saber que é cuidada, que existe alguém que pode oferecer um espaço emocional e fisicamente seguro para a sua dor. É também relevante evitar que a criança sinta que tem de assumir responsabilidade pela dor das outras pessoas.
- Recorra à criatividade. A atividade criativa é uma ferramenta importante para trabalhar a dor da perda. Ofereça à criança opções diversas para exprimir as suas emoções. Pode ser desenhando, escrevendo, fazendo trabalhos manuais, brincando, ouvindo música, etc.
- Recorra à atividade física. Emoções fortes e desafiantes (como, por exemplo, o luto exprimido em agressividade e raiva) podem ser libertas através de atividade física.
- Pratique mindfulness , sozinho e com a criança. Procure exercícios que sejam adequados para a idade, sem pressionar e sem expectativas.
- Cuide de si! Quanto melhor se sentir, melhor apoio representará para o seu filho.
- Peça ajuda! Tanto ajuda prática como mental.
Quando deve procurar ajuda profissional?
Deve procurar ajuda profissional se sentir que a criança continua a apresentar dificuldades durante muito tempo, nomeadamente em dormir, em concentrar-se, no relacionamento com os amigos e na escola ou um comportamento depressivo .
O luto, por norma, é trabalhoso, doloroso e cansativo. Tanto física como emocionalmente. É importante lembrar-se de que cada criança tem as suas reações e o seu processo de luto, e que cabe ao adulto adaptar-se às suas necessidades. E, neste processo, esteja consciente de que os seus dois contributos mais poderosos poderão ser a sua presença consciente e o reconhecimento dos estados emocionais da criança.
AS OBRAS DA AUTORA