2022-10-06

Escolha do Editor

«Bolo Negro», de Charmaine Wilkerson

Partilhar:

Bolo Negro é um livro espantosamente completo. Uma receita literária sem pecados, preparada de uma assentada por uma autora britânica, de ascensão caribenha e residente em Itália – inevitavelmente atraída pelo poder que a partilha nas refeições promove, mesmo nos momentos mais tensos.  

 

Uma das sensações de Frankfurt, em 2020, quando o mundo era uma incerteza gigante, foi um verdadeiro deleite apreciar um original ainda sem edição mas praticamente fechado, destacando-se entre tantos outros, pela forma elegante e pertinente como soube retratar a diáspora, a diversidade, a identidade, a maternidade…   

 

Byron e Benny são irmãos desavindos, obrigados a reunir-se para a leitura do testamento de Eleanor. Esse testamento consiste num simples pedido: que ouçam uma gravação e que, no final, quando sentirem que é o momento certo, partilhem um bolo negro – a receita de família reservada para os momentos mais especiais. 

 

Na gravação ouvimos a voz de Eleanor, que, à data, viúva e bastante doente, não tem outro remédio senão contar a sua história de vida, na esperança de que isso ajude à reaproximação dos filhos. Muito se esclarece na sua narrativa, mas uma revelação importante deixará os mundos de Byron e Benny virados do avesso. 

 

Eleanor chama-se, na verdade, Covey. Filha de uma nativa caribenha e de um imigrante chinês, cresceu numa pequena ilha do Caribe e alimenta uma profunda paixão pelo mar. Um mar que sonha poder atravessar um dia, para finalmente sair da ilha que a prende.  

 

O pai tem outros planos para ela, e quer casá-la com o homem rico da terra, para poder livrar-se das dívidas e das dúvidas que o seu estatuto de imigrante sempre inspiraram aos vizinhos. Mas Covey, com a ajuda da sua amiga Bunny (ou Benedetta), consegue fugir a este destino infeliz, aproveitando uma tempestade no mar e desaparecendo para sempre.  

 

Seguem-se páginas e páginas de viagens, trocas de identidade – por tragédia e oportunidade –, reencontros amorosos e, por fim, uma vida a quatro (pai, mãe e filhos), durante décadas, na paz de um novo país. Contudo, a paz que Covey encontra e a importância que ela dá à sua própria viagem e luta pessoal impedem-na de alguma forma de ver realmente os filhos que cria. E assim recomeça o ciclo do confronto entre gerações, da definição de identidades, da separação definitiva entre pais e filhos, pela qual todos nós acabamos um dia por passar. 

 

Um bolo cheio de camadas e recheios para nos preencher por muitas e muito boas horas de leitura. 

 

 

Andrea Alves Silva 

Editora 

Conheça as nossas novidades

Seja o primeiro a conhecer os livros que acabaram de chegar, notícias sobre autores, conteúdo exclusivo e muito mais!

Conheça as nossas novidades

Seja o primeiro a conhecer os livros que acabaram de chegar, notícias sobre autores, conteúdo exclusivo e muito mais!