O Corpo em Pessoa
Quer na perversidade polimorfa sonhada pelo Álvaro de Campos da «Odemarítima», quer na recusa da mão de Lídia por Ricardo Reis, quer na paixão angustiada da mórbida e corcunda Maria José, quer ainda na precocemente apagada beleza de Antínoo, representações singulares da fisicalidade corpórea abundam na obra literária de Fernando Pessoa. Não obstante, porém, a execução inerentemente materialista e explicitamente performativa do drama em gente, a crítica pessoana tem realçado habitualmente (salvo certas excepções notáveis) as qualidades intelectuais desencarnadas e abstractas da heteronímia pessoana, interpretando-a como uma escrita filosoficamente motivada por um teatro mental e a este mesmo teatro confinada. Os treze ensaios reunidos neste volume apoiam-se em abordagens críticas derivadas da psicanálise e da fenomenologia, do feminismo e da teoria queer, ao investigar a relação performativa entre a despersonalização e personalização corporal que emerge como um padrão recorrente um pouco por toda a obra de Pessoa. Colectivamente, estas leituras oferecem um novo olhar tanto sobre a teoria da heteronímia, os mais venerados versos do modernismo português, e o Livro do Desassossego, como sobre os numerosos textos inéditos, vindos à luz nos anos mais recentes e que evidenciam a relevância das questões de género e de sexualidade no macrotexto pessoano.