Literacia financeira e gestão do orçamento familiar
“Como chegar ao final do mês com dinheiro?” – É uma dúvida cada vez mais recorrente nas famílias, sejam elas numerosas ou não. Devido à inflação e a outros acontecimentos, como a guerra na Ucrânia, a economia mundial tem sofrido mudanças que têm tido consequências negativas na carteira dos portugueses.
João Barroso | 22-03-2023Termos como literacia financeira, poupança, crédito ou economia nem sempre são capazes de captar o interesse da população, mas o economista João Barroso alerta para a importância de apostar na melhoria destes conhecimentos, caso contrário, a estabilidade financeira no futuro poderá estar em risco.
Para ajudar a dar os primeiros passos neste caminho, que pode ser sinuoso e confuso, o também autor do curso de literacia financeira da Academia Virtual deixa algumas dicas para simplificar a missão de controlar a sua situação financeira.
Qual considera ser o nível de literacia financeira dos portugueses? É necessário apostar na melhoria desses conhecimentos?
Penso que, numa abordagem sem grande profundidade, o nível de literacia financeira dos portugueses não é adequado às necessidades da sociedade atual. Refiro-me, em concreto, aos desafios que nos são colocados pelas incertezas em relação ao futuro, mesmo de curto prazo. Vivemos numa época em que vários fatores (a pandemia, a guerra...) condicionam as nossas vidas, com um reflexo brutal na incerteza da nossa capacidade de satisfazer as necessidades mais elementares: eletricidade, gás e bens alimentares. Na minha opinião, apostar na melhoria dos conhecimentos em literacia financeira é fornecer as ferramentas, os instrumentos, para que os portugueses sejam mais capazes de enfrentar os desafios financeiros de uma sociedade em alteração constante.
Que dicas pode deixar a quem está a começar este caminho para uma gestão financeira mais consciente?
Para mim, a questão é e será sempre a mesma: Quem melhor do que nós para cuidar da nossa vida financeira? Devemos começar por aí. Temos de assumir que precisamos de ter conhecimentos para que possamos ter um futuro de equilíbrio a nível financeiro.
1) Identificar a tipologia e o valor (€) das despesas
Parece-me muito importante começar por identificar claramente a tipologia de despesas que se tem, como, por exemplo, a renda, a alimentação, o vestuário ou a despesa com energia. Depois, é necessário identificar os valores, em euros, para cada uma dessas despesas. A consciencialização da despesa que se tem é fundamental neste processo.
2) Mais despesas variáveis e menos despesas fixas
É fundamental entender que temos despesas fixas e variáveis. Perceber que tomamos decisões de efetuar despesas presentes que têm um impacto profundo nos meses e anos futuros da nossa vida financeira, cuja alteração não é possível de concretizar. Refiro-me à utilização de crédito para satisfazer as nossas necessidades e desejos. No fundo, consiste em seguir a lógica do mundo empresarial: mais despesas variáveis e menos despesas fixas. Porque o que é variável é passível de alteração, o fixo não.
3) Acompanhe e compare a evolução das despesas
O acompanhamento da evolução das nossas despesas mensais em relação a uma previsão ou ao que tem acontecido (o nosso histórico de despesas) é fundamental para que tenhamos a informação para decidirmos em relação ao futuro. Por exemplo, se temos uma despesa normal de 100 € com a alimentação e num mês passa para 200 €, devemos fazer algo. Devemos perceber porquê. E isso só é possível se fizermos o que referi anteriormente. Depois, há que comparar a previsão das despesas com o rendimento esperado. É crucial perceber se o rendimento esperado suporta um determinado nível de despesas.
4) Preciso mesmo deste bem?
Por último, distinguir claramente necessidades de desejos, colocando sempre a mesma questão a nós próprios: Preciso mesmo deste bem? Depois, é ir fazendo o caminho e ajustando as nossas decisões financeiras à maior e menor dificuldades do mesmo.
Numa altura em que a inflação está a dificultar a gestão do orçamento familiar, que sugestões pode deixar para ajudar as famílias portuguesas a chegarem ao final do mês com mais tranquilidade?
Infelizmente, a inflação tem um impacto muito forte no poder de compra das famílias. No caso concreto, na sua redução. Isto significa que, com o mesmo rendimento, já não se consegue adquirir os mesmos bens e serviços.
A experiência diz-me que, em momentos de dificuldade, é essencial que se pense racionalmente. Objetivamente, as sugestões passam por identificar onde se gasta o dinheiro (tipologias de despesas) e qual o valor em euros. E depois, perceber quais dessas despesas podem, por agora, ser descartadas. Com isto, pretendo dizer que os desequilíbrios financeiros decorrem não da despesa presente, mas, sim, do seu impacto no ou nos meses seguintes.
Vejamos o seguinte: se hoje realizei uma despesa (paguei um bem ou serviço), isso quer dizer que tinha disponibilidade financeira (dinheiro) para o fazer. Logo, não é um problema agora, pois, de facto, paguei. A questão é perceber que essa despesa atual terá um impacto, por vezes, meses depois, quando surge uma despesa extra ou daquelas anuais (um seguro automóvel, por exemplo). Então, a sugestão passa por constantemente analisar se aquela despesa tem mesmo de ser feita ou é simplesmente um desejo.
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Aconselha a diversificar as fontes de rendimento e apostar em estratégias de poupança? Quais são algumas das estratégias que os portugueses podem adotar para conseguirem atingir essa meta?
A prudência na gestão do risco diz-nos que a diversificação dos rendimentos seria uma medida para, no caso do rendimento dependente se alterar, se conseguir manter algum equilíbrio através do rendimento, por exemplo, do arrendamento de um imóvel.
Mas a realidade é que esta diversificação de rendimentos não é, na maioria dos casos, uma opção, porque simplesmente não se é proprietário de nenhum imóvel. De facto, a grande maioria dos agregados familiares têm como única fonte de rendimento o seu salário.
Surge, então, o papel fundamental que a poupança tem, diria eu, como uma fonte de rendimento futuro. Historicamente, a poupança era vista como “garantia da velhice”. Hoje, não parece que exista essa lógica.
A poupança deve ser entendida como um meio para atingir um objetivo.
Se não consegue poupar de forma recorrente e disciplinada (colocando de parte um valor sempre fixo mensalmente, independentemente do seu montante em euros), então tem de ser criada uma obrigação de o fazer. Dê ordem ao seu banco para colocar num depósito a prazo esse valor. Não é verdade que, se temos uma avaria (claro que não prevista) na máquina da roupa, o dinheiro tem de “aparecer”? Façamos o mesmo em relação à poupança mensal. Depois, um objetivo.
Quem não se sente realizado com um objetivo que atingiu? Por vezes, procuramos o caminho mais rápido para obter um bem, normalmente recorrendo ao crédito. Pensemos que pode demorar mais tempo, mas aquele bem, depois de adquirido pelo valor poupado, está livre de pagamentos futuros e fixos, como é o caso de um crédito que se assume como uma despesa fixa. A poupança deve ser entendida como um meio para atingir um objetivo, seja ele qual for. Por isso, sejamos disciplinados e arranjemos uma motivação, um objetivo para aplicar uma estratégia de poupança.
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Economia, gestão financeira, impostos, créditos e literacia financeira nem sempre são temáticas atraentes para captar a atenção da população. Qual é a importância de aprofundar conhecimentos nesta área?
Concordo que não são temáticas apelativas. Mas a questão é que a nossa vida, o nosso futuro e o futuro dos que nos são próximos dependem destas temáticas e do conhecimento que delas temos. Para mim, a resposta é simples e direta: sem estes conhecimentos, o risco de não termos um futuro minimamente assegurado é real.
Olhemos a uma pequena história familiar. A separação do lixo em minha casa foi um processo “da escola para casa”. Um dia, um dos meus filhos perguntou onde colocava o plástico. Sentimo-nos, confesso, envergonhados por não o fazermos. Tomamos a decisão, desde esse dia, de fazermos a nossa parte. Da mesma forma que a separação do lixo em minha casa veio da “escola para casa”, tudo o que respeita à literacia financeira deveria seguir o mesmo trajeto.
Apenas uma reflexão final: quão descansados ficariam os pais se um filho lhes dissesse: “Não gastes, poupa esse euro.” Foi mais ou menos o que senti. A escola está a fazer o seu papel, resta-nos a nós, enquanto pais, educadores, formadores, facilitar, para que “esse caminho se faça caminhando".
Neste curso da Academia Virtual, serão partilhadas dicas de poupança e de gestão do orçamento familiar em tempos de crise e ferramentas que irão contribuir para uma vida financeira mais equilibrada.