Guerra na TV: como explicar os conflitos armados às crianças?

Neste artigo, o autor explora o impacto da guerra no universo infantil, destacando como as crianças absorvem, interpretam e reagem a este fenómeno global. Além disso, enfatiza a importância de ouvir e mediar as perceções das crianças sobre a guerra, promovendo valores de paz, respeito e empatia.

Nada do que se passa no mundo é indiferente às crianças. Nas suas formas próprias de conhecer a realidade e com ela se relacionar, as crianças produzem interpretações sobre os acontecimentos, as pessoas e a Natureza, partilham essas interpretações e adaptam as suas formas de ação de acordo com as possibilidades que vislumbram. Nessas interpretações estão sempre presentes perceções realistas e elementos imaginários, em modos que se interpenetram, mas que usualmente não se confundem, emoções e explicações racionais, sentimentos de proximidade e intimidade com as coisas, mesmo quando elas são distantes ou longínquas. Assim acontece com a guerra.

As crianças também brincam às guerras e apropriam-se pelo jogo simbólico das formas de matar e de morrer.

As crianças veem e ouvem as notícias sobre a guerra na televisão, conversam sobre ela com os pais, com os professores ou com os colegas no recreio, identificam-se e reconhecem-se nas outras crianças que brincam no meio dos destroços, mesmo se estes compõem paisagens distantes em países improváveis. Mas as crianças também brincam às guerras e apropriam-se, pelo jogo simbólico, das formas de matar e de morrer, seja nos jogos da apanha (já não brincam mais aos índios e cowboys…) seja nas consolas ou nos smartphones, em que nos jogos de guerra se mata que se farta, mas também se ganham vidas e se obtêm novas oportunidades de continuar o jogo. E assim, incessantemente, se vai construindo a consciência do tempo e das coisas, se dá nome ao inominável da morte e se entende o sentido (e o sem-sentido) de muitas coisas.

Como agir perante as perceções que as crianças têm da guerra?

  • Em primeiro lugar, é indispensável compreender que as crianças não são indiferentes ao que as rodeia nem ignoram o que as cerca. Não há um mundo feito de “coisas dos adultos” e “coisas das crianças”. O que há são formas diferenciadamente percecionadas, filtradas pelas culturas e diferentemente compreendidas pela experiência e pelos códigos de interpretação. As crianças têm formas de perceção, culturas infantis, experiência e códigos interpretativos distintos dos dos adultos (e diferenciados, também, em função do seu subgrupo etário, experiência, condição social e cultura de origem). Ouvir o que as crianças têm a dizer sobre a guerra deve ser a prioridade.
  • A receção da televisão, bem como da informação disponibilizada pela Internet, exige sempre a mediação dos pais. Mediação significa a capacidade para debater interpretações, ajudar a compreender, mas também a estabelecer limites sobre o tempo e os conteúdos aceitáveis para a criança ver. Os pais devem preparar-se para falar da guerra com os seus filhos. E para lhes garantir a confiança e a segurança em tempos difíceis.
  • Os valores não são dispensáveis. Os momentos de se falar da guerra são também possibilidades incontornáveis para fazer a educação pela paz e a defesa dos valores do respeito pela vida, da aceitação do outro e da recusa dos contravalores do ódio, do racismo e da xenofobia.
  • Não faz mal que se tome partido. O mundo não se confunde entre bons e maus, e em todas as coisas há mais matizes do que o contraste entre preto e branco. As crianças podem emitir opiniões favoráveis ou desfavoráveis sobre antagonistas ou personalidades políticas em guerra. Faz parte da sua compreensão. Podemos deixar que essas opiniões se exprimam. Mas procuremos sempre desenhar o percurso possível para que na resolução dos conflitos prevaleçam os caminhos pacíficos.
  • Finalmente, há tanto de absurdo e incompreensível na guerra que não faz sentido procurar com as crianças explicações para com o que manifestamente não o tem. Deixemos então nas conversas com as crianças espaço para o mistério e que nele resida um sentido profundo de empatia e compaixão para com as vítimas da guerra, crianças e adultos. As crianças podem ser os nossos professores precisamente nisso mesmo: a compaixão e a empatia.

O autor

Eduardo Carqueja - São João
 
 
 

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