[ENTREVISTA] 40 anos de vida literária do autor preferido dos mais novos
No ano em que celebra 40 anos de vida literária, Álvaro Magalhães admite que escrever nunca foi uma escolha, mas sim uma condição causada pela sua incapacidade de parar de sonhar. A sua imaginação e mestria em brincar com as palavras já deram origem a mais de 120 títulos, e os planos são para continuar a criar histórias que atravessam gerações.
No ano em que celebra 40 anos de vida literária, Álvaro Magalhães admite que escrever nunca foi uma escolha, mas sim uma condição causada pela sua incapacidade de parar de sonhar. A sua imaginação e mestria em brincar com as palavras já deram origem a mais de 120 títulos e os planos são para continuar a criar histórias que atravessam gerações.
«Quando for lido por uma criança, é um livro para crianças. Quando for lido por um adulto, é um livro para adultos. Os livros não são “para”, os livros são.»
Após um ano de celebração dos 40 anos de vida literária, alguma vez imaginou, quando começou a escrever, chegar a este marco? Qual é o balanço que faz deste percurso?
Mal aprendi a ler e escrever, comecei a inventar histórias e poemas. Era uma compulsão, uma necessidade. Como diz Blanchot, «algo em mim queria transformar-se em palavras, em linguagem». Portanto, escrever criativamente não foi uma escolha, foi uma condição. Também não foi uma tarefa de 40 anos, isso apenas corresponde ao período de publicações, foi a tarefa e a missão de uma vida.
O balanço é de satisfação pelo cumprimento da missão. Por um lado, fui sempre acompanhado por uma multidão de leitores, fui flor e fruto; por outro lado, inspirei escritores mais jovens, fui semente.
Este ano foram reeditados os livros O Circo das palavras voadoras e O Brincador, obras onde incentiva a nunca parar de brincar. Olhando para a atualidade, acha que continuamos a precisar de brincadores? Acredita que a magia dos livros infantis pode melhorar o mundo em que vivemos?
Escrever é um modo de brincar com as palavras. Georges Bataille dizia que a literatura é a infância finalmente recuperada, e, segundo Paul Auster, a importância das recordações de infância e adolescência na vida dos criadores decorre da hipótese segundo a qual a obra literária, tal como o sonho diurno, seria uma continuação e um substituto das brincadeiras desses tempos. Ora, obras literárias e sonhos diurnos, belas brincadeiras, portanto, sempre foram o meu alimento diário. Há quem diga que enlouqueceríamos se não sonhássemos durante a noite; eu acho que enlouqueceria se não sonhasse também durante o dia. Sem imaginação, fantasia, sonho, teria sucumbido por excesso de realidade.
E, sim, nunca deveríamos deixar de brincar, que é um bom programa para todas as idades e para todas as estações. Alguns animais sabem isso, nós não. Os gatos, por exemplo, que brincam em qualquer idade. Até ao último dia de vida, estão sempre dispostos a brincar. Na verdade, só se afastam da sua infância quando morrem. É uma bela lição, que é uma pena não ser aproveitada por todos nós.
Edições comemorativas dos 40 anos
O Álvaro conta com mais de 120 livros publicados e continua a aumentar esta listagem com novos títulos prestes a serem anunciados. De onde vem a inspiração para continuar a criar mundos, personagens e aventuras? Que conselho pode deixar a quem quer ser escritor?
A inspiração, que nunca me faltou, chega quase sempre quando já estou a trabalhar. É essa disponibilidade, essa espera, que a atrai. Sem isso, raramente aparece. Mas não me perguntem de onde vem ou o que é. Quem é que sabe? A inspiração tem uma natureza misteriosa.
Conselhos a quem quer ser escritor? Ler é uma condição, a primeira. Aliás, ler é uma forma misteriosa de escrever e escrever é uma forma, também misteriosa, de nos lermos. Não são coisas diferentes, ler e escrever, mas as duas partes da mesma coisa.
Depois, há que tratar de arranjar um gato. Tê-lo por perto ajuda muito. Os gatos são literários por natureza: têm elegância e plasticidade narrativa, estilo, poder de síntese, fluência, subtileza, tudo qualidades literárias de que os (seus) escritores se tentam apropriar. E dão-nos permanentes lições de paciência, lentidão, silêncio e mistério.
Finalmente, pode experimentar a escrita e aprender com ela. Não há outro professor, não há outra escola. Aprende-se a escrever escrevendo. Mas convém ter sempre presente que escolheu o mais duro dos trabalhos. Escrever exige talento, naturalmente, mas também perseverança, paciência, capacidade infinita de trabalho. Quem escreve não voa no céu azul; desce às entranhas da Terra todos os dias, como um mineiro assíduo, e escava nas jazidas subterrâneas as suas pedras preciosas, sofrendo para as dar à luz.
Ao longo destes anos, tem escrito, sobretudo, para os mais jovens. Qual é o papel e a importância que considera que a literatura juvenil tem? Acha que ela tem o destaque devido?
A literatura juvenil tem a maior das importâncias e o mais relevante dos papéis: cria leitores. Eu liguei-me à leitura e, sem o saber ainda, à escrita quando, ainda muito novo, li A ilha do tesouro, de R. L. Stevenson. Normalmente, é nessa altura que o leitor se faz, graças a um encontro feliz com um livro. E a maior recompensa pelo meu trabalho de 40 anos é ouvir que alguém chegou à leitura graças a um encontro com um livro meu. Felizmente, já ouço isso desde os anos 90, quando escrevi a série Triângulo Jota. Alguns desses leitores já têm filhos que também leem outros livros meus.
Esta conquista de jovens leitores é mais importante e mais urgente do que nunca, pois a leitura tornou-se o baluarte da resistência contra a simplificação e a estupidificação do mundo. Estamos a assistir a um desinvestimento geral nas disciplinas criativas e artísticas e a uma investida contra o conhecimento, a interpretação, a reflexão, o que tem como consequência o empobrecimento da mente humana. Ergueu-se o monstruoso edifício do facilitismo, um autêntico império do efémero, o qual se caracteriza pelo analfabetismo cultural, a banalização do gosto e dos discursos quotidianos.
Porém, tenho a convicção de que a leitura nunca acabará, por mais que a sufoquem, pois corresponde a uma necessidade humana. Resistirá, portanto. E, num futuro próximo, será recuperada em pleno, e como objeto precioso, nem que seja para se descansar de um mundo sobrecarregado de imagens e impressões rápidas e fúteis. E voltará a fazer parte da vida.
Que mensagem gostaria de deixar a todos aqueles que o têm acompanhado ao longo deste percurso?
A esses, que são muitos, leitores de várias gerações e de todas as idades, em primeiro lugar, mas também editores, críticos, estudiosos de literatura, jornalistas, professores, contadores de histórias, divulgadores, agradeço muito, muito mesmo, por terem contribuído, cada qual a seu modo, para o cumprimento do meu destino literário. Aos leitores mais jovens, peço que nunca abandonem a leitura.
Além de lhes proporcionar a alegria de uma outra vida, fará deles pessoas melhores e mais aptas para enfrentarem os desafios que os aguardam no futuro.
Conheça algumas das obras do autor infantojuvenil preferido dos mais novos!
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No ano em que celebra 40 anos de vida literária, Álvaro Magalhães admite que escrever nunca foi uma escolha, mas sim uma condição causada pela sua incapacidade de parar de sonhar. A sua imaginação e mestria em brincar com as palavras já deram origem a mais de 120 títulos, e os planos são para continuar a criar histórias que atravessam gerações.
«Quando for lido por uma criança, é um livro para crianças. Quando for lido por um adulto, é um livro para adultos. Os livros não são “para”, os livros são.»
Após um ano de celebração dos 40 anos de vida literária, alguma vez imaginou, quando começou a escrever, chegar a este marco? Qual é o balanço que faz deste percurso?
Mal aprendi a ler e escrever, comecei a inventar histórias e poemas. Era uma compulsão, uma necessidade. Como diz Blanchot, «algo em mim queria transformar-se em palavras, em linguagem». Portanto, escrever criativamente não foi uma escolha, foi uma condição. Também não foi uma tarefa de 40 anos, isso apenas corresponde ao período de publicações, foi a tarefa e a missão de uma vida.
O balanço é de satisfação pelo cumprimento da missão. Por um lado, fui sempre acompanhado por uma multidão de leitores, fui flor e fruto; por outro lado, inspirei escritores mais jovens, fui semente.
Este ano foram reeditados os livros O Circo das palavras voadoras e O Brincador, obras onde incentiva a nunca parar de brincar. Olhando para a atualidade, acha que continuamos a precisar de brincadores? Acredita que a magia dos livros infantis pode melhorar o mundo em que vivemos?
Escrever é um modo de brincar com as palavras. Georges Bataille dizia que a literatura é a infância finalmente recuperada, e, segundo Paul Auster, a importância das recordações de infância e adolescência na vida dos criadores decorre da hipótese segundo a qual a obra literária, tal como o sonho diurno, seria uma continuação e um substituto das brincadeiras desses tempos. Ora, obras literárias e sonhos diurnos, belas brincadeiras, portanto, sempre foram o meu alimento diário. Há quem diga que enlouqueceríamos se não sonhássemos durante a noite; eu acho que enlouqueceria se não sonhasse também durante o dia. Sem imaginação, fantasia, sonho, teria sucumbido por excesso de realidade.
E, sim, nunca deveríamos deixar de brincar, que é um bom programa para todas as idades e para todas as estações. Alguns animais sabem isso, nós não. Os gatos, por exemplo, que brincam em qualquer idade. Até ao último dia de vida, estão sempre dispostos a brincar. Na verdade, só se afastam da sua infância quando morrem. É uma bela lição, que é uma pena não ser aproveitada por todos nós.
Edições comemorativas dos 40 anos
O Álvaro conta com mais de 120 livros publicados e continua a aumentar esta listagem com novos títulos prestes a serem anunciados. De onde vem a inspiração para continuar a criar mundos, personagens e aventuras? Que conselho pode deixar a quem quer ser escritor?
A inspiração, que nunca me faltou, chega quase sempre quando já estou a trabalhar. É essa disponibilidade, essa espera, que a atrai. Sem isso, raramente aparece. Mas não me perguntem de onde vem ou o que é. Quem é que sabe? A inspiração tem uma natureza misteriosa.
Conselhos a quem quer ser escritor? Ler é uma condição, a primeira. Aliás, ler é uma forma misteriosa de escrever e escrever é uma forma, também misteriosa, de nos lermos. Não são coisas diferentes, ler e escrever, mas as duas partes da mesma coisa.
Depois, há que tratar de arranjar um gato. Tê-lo por perto ajuda muito. Os gatos são literários por natureza: têm elegância e plasticidade narrativa, estilo, poder de síntese, fluência, subtileza, tudo qualidades literárias de que os (seus) escritores se tentam apropriar. E dão-nos permanentes lições de paciência, lentidão, silêncio e mistério.
Finalmente, pode experimentar a escrita e aprender com ela. Não há outro professor, não há outra escola. Aprende-se a escrever escrevendo. Mas convém ter sempre presente que escolheu o mais duro dos trabalhos. Escrever exige talento, naturalmente, mas também perseverança, paciência, capacidade infinita de trabalho. Quem escreve não voa no céu azul; desce às entranhas da Terra todos os dias, como um mineiro assíduo, e escava nas jazidas subterrâneas as suas pedras preciosas, sofrendo para as dar à luz.
Ao longo destes anos, tem escrito, sobretudo, para os mais jovens. Qual é o papel e a importância que considera que a literatura juvenil tem? Acha que ela tem o destaque devido?
A literatura juvenil tem a maior das importâncias e o mais relevante dos papéis: cria leitores. Eu liguei-me à leitura e, sem o saber ainda, à escrita quando, ainda muito novo, li A ilha do tesouro, de R. L. Stevenson. Normalmente, é nessa altura que o leitor se faz, graças a um encontro feliz com um livro. E a maior recompensa pelo meu trabalho de 40 anos é ouvir que alguém chegou à leitura graças a um encontro com um livro meu. Felizmente, já ouço isso desde os anos 90, quando escrevi a série Triângulo Jota. Alguns desses leitores já têm filhos que também leem outros livros meus.
Esta conquista de jovens leitores é mais importante e mais urgente do que nunca, pois a leitura tornou-se o baluarte da resistência contra a simplificação e a estupidificação do mundo. Estamos a assistir a um desinvestimento geral nas disciplinas criativas e artísticas e a uma investida contra o conhecimento, a interpretação, a reflexão, o que tem como consequência o empobrecimento da mente humana. Ergueu-se o monstruoso edifício do facilitismo, um autêntico império do efémero, o qual se caracteriza pelo analfabetismo cultural, a banalização do gosto e dos discursos quotidianos.
Porém, tenho a convicção de que a leitura nunca acabará, por mais que a sufoquem, pois corresponde a uma necessidade humana. Resistirá, portanto. E, num futuro próximo, será recuperada em pleno, e como objeto precioso, nem que seja para se descansar de um mundo sobrecarregado de imagens e impressões rápidas e fúteis. E voltará a fazer parte da vida.
Que mensagem gostaria de deixar a todos aqueles que o têm acompanhado ao longo deste percurso?
A esses, que são muitos, leitores de várias gerações e de todas as idades, em primeiro lugar, mas também editores, críticos, estudiosos de literatura, jornalistas, professores, contadores de histórias, divulgadores, agradeço muito, muito mesmo, por terem contribuído, cada qual a seu modo, para o cumprimento do meu destino literário. Aos leitores mais jovens, peço que nunca abandonem a leitura.
Além de lhes proporcionar a alegria de uma outra vida, fará deles pessoas melhores e mais aptas para enfrentarem os desafios que os aguardam no futuro.
Conheça algumas das obras do autor infantojuvenil preferido dos mais novos!
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Todas as emoções do futebol em livro