Nos séculos de ouro da presença portuguesa na Índia, Juliana Dias da Costa, mulher excecional formada pelos jesuítas, protagonizou uma história de amor proibido com o poderoso imperador do Indostão. A portuguesa rompeu os cânones do seu tempo, revelando uma cultura científica fora do comum e grandes habilidades diplomáticas, o que fez dela uma figura de grande destaque na corte mais rica e próspera do mundo.
A Senhora das Índias é o título do novo romance de Alberto S. Santos que recorda esta paixão inesperada e o contexto histórico rico e fascinante do império mogol e das relações entre Portugal e a Índia. Uma extraordinária história de amor e coragem que atravessa fronteiras e culturas, para descobrir a partir de dia 29 de maio.
Por que motivo escolhe sempre uma mulher forte, corajosa e altamente inspiradora como protagonista dos seus romances?
Gosto sempre de escolher personagens fortes e marcantes do nosso passado, que foram capazes de romper com os cânones do seu tempo e, desse modo, darem um contributo para o avançar da civilização. Ora, ao longo dos tempos, as mulheres sempre foram castradas e impedidas de evidenciar as suas capacidades. Quando encontro uma que, ainda assim, conseguiu vencer essas difíceis barreiras e marcar um tempo de forma tão intensa, costumo apaixonar-me por ela e “namorá-la” através da história que conto, dando-lhe vida nos livros.
Em que medida é que a formação jesuíta de Juliana foi importante para tudo o que conseguiu alcançar, apesar de todos os entraves que faziam crer que esses feitos seriam improváveis?
Da minha investigação resultou que, por trás dos sucessos de Dona Juliana Dias da Costa, estiveram os jesuítas, que a formaram em várias línguas, na botânica, na medicina, na aritmética e na diplomacia. Naquela época, os jesuítas integravam uma poderosa e inigualável rede global de informação e conhecimento, que garantiam e passavam através das constantes cartas que trocavam entre si, nas várias partes do mundo em que se encontravam, e feita por muitos dos corajosos e dinâmicos clérigos. Juliana beneficiou dos ensinamentos de um mestre jesuíta, que lhe moldaram o carácter e a transformaram numa mulher que viveu muitas vidas numa só, concedendo-lhe uma vida intensa e que marcou a alma e os corações dos que com ela coincidiram no tempo.
«É essa gente a quem quero dar vida. Heróis ou heroínas que entreteceram eventos, vidas e factos que foram marcantes ou disruptivos de um tempo, mas que ficaram desconhecidos para as gerações futuras. São eles a quem quero dar vida e, de certo modo, tornar imortais.»
O que é que o motiva a trazer à luz figuras que a História parece ter esquecido?
Por norma, os livros de História contam a gesta dos vencedores e das personagens que lideraram a sociedade. Mas os sucessos de cada tempo estão mais associados a gente que hoje é anónima, mas que foram os efetivos e reais artífices dos acontecimentos. Nenhum líder é dono exclusivo dos acontecimentos que lhe estão associados. É essa gente a quem quero dar vida. Heróis ou heroínas que entreteceram eventos, vidas e factos que foram marcantes ou disruptivos de um tempo, mas que ficaram desconhecidos para as gerações futuras. São eles a quem quero dar vida e, de certo modo, tornar imortais.
Juliana chegou a lutar com o seu exército no campo de batalha. Na sua opinião, apesar de muito inteligente e com uma grande capacidade diplomática, quão difícil terá sido para uma mulher, no século em que Juliana viveu, conjugar estas suas características com as limitações impostas pela sociedade da época?
Basta pensar que era mulher, que vivia entre os séculos XVII e XVIII, num Estado poderoso, governado por uma elite muçulmana, sobre uma maioria hindu e minorias, como a cristã, como sempre foi Juliana Dias da Costa. Ganhar a confiança da elite, serem-lhe reconhecidas qualidades médicas, diplomáticas e guerreiras era algo improvável. Mas a verdade é que o foi e que os seus estandartes cristãos ondularam entre as fileiras dos poderosos exércitos mongóis. E que ela impressionou os reis portugueses, os vice-reis da Índia e os imperadores do Indostão. Uma mulher muito à frente do seu tempo.
«(...) ela impressionou os reis portugueses, os vice-reis da Índia e os imperadores do Indostão. Uma mulher muito à frente do seu tempo.»
Em que medida é que Juliana foi importante para as relações entre Portugal e a Índia, a corte mais próspera do mundo na época?
Como referi, à medida que o seu estatuto cresceu na corte de Agra, e depois de Deli, Dona Juliana Dias da Costa passou a ser elo de transmissão entre, por um lado, Goa e Portugal e, por outro, o poderoso Indostão. Guardam-se no arquivo de Goa as cartas que trocou, tal como o imperador a quem serviu, com o rei de Portugal (Dom João V) e os vice-reis da Índia. Foi igualmente protetora dos órfãos e dos mais desfavorecidos e garantia e financiadora da atividade dos jesuítas no Indostão, que ajudou a chegar ao Tibete e aos Himalaias. E, apesar do contexto em que viveu, e de o seu pai ter renegado ao Cristianismo e se ter feito muçulmano, ela nunca o fez, o que lhe granjeou profunda admiração entre cristãos, muçulmanos e hindus.
Alberto S. Santos será o protagonista da 107.ª sessão do Porto de Encontro, que acontece no dia 31 de maio, às 18:30, na Biblioteca Municipal Almeida Garrett, no Porto. Saiba mais aqui.