2013-04-22

Em desAcordo desde 1990

Por Vasco Teixeira, Administrador e Diretor Editorial do Grupo Porto Editora

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Eu, Vasco Teixeira, sou e sempre fui contra o Acordo Ortográfico assinado em 1990.

As razões que sustentam a minha posição foram por demais conhecidas e divulgadas ao longo das quase duas décadas de luta contra o que apelidei, recorrentemente, de “malfadado acordo” e de “desacordo”.

Dito isto, quero sublinhar que a minha visão de responsabilidade social e empresarial num Estado de Direito obriga a um respeito escrupuloso das regras legalmente definidas. Por isso, a partir do momento em que (i) a Assembleia da República aprovou o Acordo Ortográfico (AO) assinado em 2004 em sede da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e por todos os países constituintes (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste); e (ii) o Ministério da Educação definiu o calendário de implementação do AO no ensino, incluindo o período de transição, entendi que o processo tinha atingido o ponto de não-retorno. Apesar da minha discordância, repito.

Vem isto a propósito de um artigo de opinião de Madalena Homem Cardoso, publicado a 11 de abril último, com o título Audiência Vs. Audições e a “PPP” dos livros escolares.

Nesse artigo, é feito um exercício que, tendo como base o meu depoimento perante os deputados do Grupo de Trabalho Parlamentar sobre o Acordo Ortográfico (14 de março de 2013), procura apresentar o Grupo Porto Editora como eventual beneficiário da implementação do AO. É um artigo infeliz, pela leitura deturpada que faz do que eu transmiti ao referido grupo e pelas lamentáveis considerações pessoais que tece a meu respeito – que, por educação, as devolvo sem sobre elas perder tempo. Mas, mais do que infeliz, é um artigo intelectualmente desonesto ao fazer acusações graves sobre a nossa conduta editorial e empresarial numa área que encaramos com singular responsabilidade: a edição escolar.

Dá-me alguma tranquilidade o facto de o meu depoimento, bem como os esclarecimentos que prestei na sequência das dúvidas e questões colocadas pelos deputados, estar facilmente disponível à leitura de todos os interessados através de uma pesquisa na Internet. Contudo, faço questão de aproveitar esta oportunidade para esclarecer, mais uma vez, a nossa posição sobre este assunto.

O Grupo Porto Editora, bem como a generalidade dos editores portugueses, contestou o Acordo Ortográfico desde que ele foi assinado a 16 de dezembro de 1990. Durante todos esses anos, fomos voz ativa contra o AO, desenvolvendo iniciativas que provavam o erro estratégico que a implementação deste AO representaria para a afirmação da nossa língua num mundo globalizado;
Sempre defendi que o Acordo Ortográfico não resolveria as diferenças entre as grafias usadas em Portugal e o Brasil, e sempre afirmei que se estava a descurar a ligação linguística e cultural com os demais países lusófonos, em especial os africanos;
O Grupo Porto Editora foi obrigado a adotar o Acordo Ortográfico – obrigado, desde logo, pela Lei, na sequência da resolução da Assembleia da República n.º 35/2008 e do Decreto do Presidente da República n.º 52/2008. Mas obrigado, sobretudo, pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/2011, que determinou a introdução da nova ortografia no sistema educativo português no ano letivo 2011/2012;
A partir do momento em que o Estado, entidade que regula o sistema educativo, exige que todos os que nele atuam adotem o AO, o Grupo Porto Editora fez o que lhe competia: de acordo com a calendarização definida com o Ministério da Educação (que manteve inalterado o calendário de adoção dos livros), passou a editar progressivamente os seus livros escolares e paraescolares segundo o novo código ortográfico, para que os professores e os alunos tivessem as ferramentas de ensino-aprendizagem adequadas. Não o fazer representaria o fim da nossa atividade empresarial, uma vez que as nossas edições não poderiam ser utilizadas por professores e alunos. Sublinho que a referida calendarização foi feita para salvaguardar o reaproveitamento dos livros escolares (que têm uma vigência de seis anos) e, assim, diminuir os custos para as famílias, as escolas e as bibliotecas;
Ao mesmo tempo, nas edições gerais, o Grupo Porto Editora tem publicado livros com e sem o AO, conforme a vontade expressa pelos seus autores;
Mas o uso quotidiano de duas ortografias é, para o Grupo Porto Editora, uma realidade que ultrapassa as nossas fronteiras. A Plural Editores Angola e a Plural Editores Moçambique, empresas criadas pelo nosso grupo e que se encontram sedeadas naqueles países, trabalham com a ortografia anterior;
O que se explica nos pontos anteriores permitirá ter uma ideia do transtorno que este processo representa para uma empresa como o Grupo Porto Editora. Pensar que desta situação tiramos proveito substantivo é algo que só pode ser encarado num registo ficcional – ou por quem estiver de má-fé. Mudamos a grafia de centenas de títulos escolares sem alterar sequer os preços, ou seja, o Grupo Porto Editora assumiu todos os custos de conversão para o AO e não os fez repercutir nos consumidores – nem o faremos se nos virmos confrontados com a decisão política de reverter a alteração da grafia dos livros escolares.

Dados estes esclarecimentos, quero dizer que não percebi a que alude a autora do referido artigo quando especula sobre uma “uma verdadeira PPP(…) entre o Ministério da Educação e os editores” e “um documento algures sob uma espessa sombra” que supostamente não só beneficiou os grandes grupos editoriais como também implicará que o Ministério da Educação e Ciência os venha a “indemnizar regiamente”.

Estas afirmações são, no mínimo, delirantes. Conforme expliquei, a calendarização do AO no ensino e o respetivo período de transição manteve inalterado o calendário predefinido das adoções e, ao permitir a coexistência de livros com ambas as grafias, poupou as famílias e as instituições a custos acrescidos. Paralelamente, os editores, grandes e pequenos, assumiram para si os custos de conversão de todos os livros, sem que alguma vez estivesse acordado que os ministérios da Educação e da Economia teriam de indemnizar os editores caso o processo viesse a retroceder.

As deturpações e as mentiras constantes no artigo de opinião de Madalena Homem Cardoso não favorecem em nada a causa que a move – antes pelo contrário, prejudicam todos os que combatem o Acordo Ortográfico de forma leal, tecnicamente esclarecida e intelectualmente elevada. A autora prestou, por isso, um péssimo serviço ao movimento de que faz parte.

Em conclusão: merece-me muito respeito o empenho de todos os que defendem a revogação do Acordo Ortográfico, pese embora os inconvenientes que tal medida tenha para os alunos portugueses.

O Acordo Ortográfico é uma questão política. Quem contesta o AO, sabe quem são os responsáveis. Não é justo que façam dos editores bodes expiatórios.

Vasco Teixeira
Administrador e Diretor Editorial do Grupo Porto Editora

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